Reféns do nosso comodismo, viciamos em prazeres rasos




“Um cachorro alegraria nossa casa. Mas dá muito trabalho… melhor não.” Ouvi essa frase, há um tempo, de uma jovem que mencionava o insistente pedido dos filhos para agregarem um cão à família. Compreendi e dei razão ao receio daquela mulher de incluir na já desgastante rotina mais uma responsabilidade. Sem saber muito sobre o tempo de que ela dispunha e toda a peleja que a criação de duas crianças impõe, não ousei verbalizar minha opinião favorável à experiência de terem um bichinho de estimação. Por alguns instantes, porém, refleti sobre as boas coisas das quais abrimos mão por temor a novas atribuições.
Acontece a todo tempo. Algumas vezes com algo trivial como a falta da atitude de se levantar do sofá e ir à academia, outras com o bloqueio a relações afetivas profundas que requerem atenção e cuidado. Reféns da indisposição de pisar em terrenos distintos dos que nos parecem seguros, reduzimos a vida a um apanhado de situações previsíveis. É como se estivéssemos viciados no conforto que edredons, Netflix e individualismo proporcionam. Dá preguiça de correr 10 km para fortalecer o corpo e de amar mais vezes para engrandecer a alma. Ambos exigem comprometimento e entrega. Desacostumados com o que pede o mínimo de sacrifício, colecionamos prazeres rasos.
Nas situações em que desatamos os nós do comodismo e oferecemos uma chance à vida fora do quarto quentinho, somos surpreendidos pelo óbvio: vale a pena sacudir a poeira instalada sob o tapete da inércia. É o famoso “que bom que eu vim” após a aula de spinning facilmente adaptável para o “que bom que liguei”, “que bom que aceitei você em minha vida”, “que bom que visitei meus avós”, “que bom que acordei cedo para ir à praia”, “que bom que escolhi mais ação e menos estagnação”. A parcela mais colorida da nossa história tem como alicerces coragem e iniciativa. No medo de nos responsabilizarmos por escolhas aparentemente difíceis reside o risco de nos resignarmos com uma trajetória morna.
Criar cachorro dá trabalho. Eles nem sempre acertam o jornal na hora do aperto. Vez ou outra adoecem. Precisam passear ao menos uma vez por dia e ter o pote de ração abastecido com frequência. Mas festejam a chegada do dono. Ensinam a crianças que estão descobrindo o mundo o verdadeiro significado de parceria, preenchem com graça ambientes que necessitam de ternura, inserem entusiasmo a cotidianos chatos. Filhos dão trabalho. Relacionamentos amorosos também. Ser um bom profissional dá muito trabalho. Regar amizades, reunir a família e honrar compromissos, então… como cansa! E como é bom. Ser feliz dá trabalho. Sempre haverá deveres pesados seguidos de recompensas leves como contrapartida. É na opção de abraçar os dois lados da moeda que construímos uma vida menos fria que aquela marcada pelo vazio das decisões preguiçosas.

                                                                            LARISSA BITTAR





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